domingo, 26 de novembro de 2023

A sensação do abandono Divino: uma reflexão teológica do Salmos 22:1


 

Está escrito:

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Porque estás longe de dar-me livramento, longe das palavras do meu clamor?” (Salmos 22:1)


O salmo 22:1 é um versículo profundamente evocativo que ressoa com as experiências humanas de sofrimento, questionamento e, aparentemente, o abandono divino. Muitos cristãos ao se depararem com este salmo não sabem o que pensar dele. Todavia, o salmista nos mostra que há espaço em nossa caminhada com Deus para o santo lamento. O Senhor deixou isso revelado na Bíblia porque Ele, sendo nosso soberano Criador, conhece algo importante sobre a condição humana: a necessidade de dar voz à própria fraqueza e fragilidade.


Este lamento não é apenas uma expressão poética, mas também uma janela para as complexidades da fé e da relação entre o ser humano e Deus. Por este motivo, os diversos autores bíblicos escreveram canções de adoração que permitiram ao povo compartilhar suas emoções sinceras com Deus. No entanto, cerca de 2/3 dos Salmos contêm um elemento de lamento! Observe que, eles experimentaram traição e perda, depressão e profunda ansiedade, aí o povo de Deus clamava: “Até quando, Senhor?” E muitos de nós, hoje, estamos sofrendo por perdas: a perda de um emprego, a perda de um ente querido, a perda de um casamento e outras.


Em nossa jornada de vida, todos sofrem perdas em algum momento. É importante ressaltar que a vida é racional e compreensível em muitos aspectos, todavia, há alguns eventos que surgem de forma inexplicáveis e não somos capazes de processar ou racionalizar. Daí a indagação: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” A nossa humanidade limitada clama a Deus em seu lamento desnorteado e sem capacidade de encontrar um propósito para racionalizar os fatos.


Então, o que fazemos nesses momentos? Podemos ver o exemplo de Jesus, que na cruz repetiu as palavras do Salmo 22, enquanto agonizava na cruz, revelando uma conexão direta com a angústia e o aparente distanciamento do Pai: “Deus meu, Deus meu, por que...? Se essas palavras foram apropriadas e suficientes para Jesus, elas devem ser para nós também! Portanto, abra seu coração ao Senhor e entregue a Ele suas preocupações mais profundas. Fale para Ele como você se sente com sinceridade.


O Salmo 22, como muitos outros salmos de lamentação encontrados no livro de Salmos, oferece uma expressão franca e honesta dos altos e baixos da experiência humana diante de Deus. Nele os crentes encontram um modelo bíblico para expressar suas próprias dores, dúvidas e questionamentos a Deus. Este salmo não apenas valida a experiência do sofrimento, mas também mostra que é aceitável trazer nossas emoções cruas e autênticas diante de Deus, que muitas vezes as acolhe.


O abandono aparente de Deus, expresso no Salmo 22:1, também encontra eco em outras partes das Escrituras. No livro de Jó, por exemplo, Jó enfrenta terríveis sofrimentos e clama a Deus, buscando entender o motivo de sua aflição. Na escuridão de sua angústia, Jó parece sentir a ausência divina, mas o desfecho da narrativa revela que Deus estava presente, mesmo quando parecia distante.


Alguns teólogos exploram a complexidade da experiência do abandono divino. Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano do século XX, em sua obra “Cartas e Anotações Escritas da Prisão”, aborda a ideia do “Deus Oculto”. Ele argumenta que, mesmo quando Deus parece distante, Ele está presente de maneira que transcende a nossa compreensão finita. 


Além disso, a teologia da cruz, desenvolvida por Martinho Lutero, destaca a paradoxal presença de Deus na aparente ausência. Lutero sustentava que Deus se revela na cruz de Cristo, onde a aparente fraqueza e derrota são, na verdade, a manifestação do poder redentor de Deus. 


Assim, ao refletir sobre Salmos 22:1, é crucial não apenas considerar o aspecto da aparente ausência divina, mas também reconhecer que, frequentemente, esses momentos de desamparo são seguidos por um encontro profundo e transformador com Deus. O próprio Salmo 22 continua revelando a confiança do salmista na fidelidade de Deus e na esperança da restauração.


Então, o que acontece quando passamos por uma situação inexplicável na vida e entramos em lamento sagrado? Recuperamos nossa voz, nossa alma e expomos nossas emoções diante de Deus. Muitos cristãos acreditam erroneamente que lamentar é ser infiel a Deus. Mas, não. Lamentar é ser fiel. É crer, acreditar que Deus se importa, que Deus nos ouve, que Deus é poderoso o suficiente e se Ele quiser, Ele pode mudar as coisas. Portanto, faça das palavras do salmista e de Jesus as suas. Abra seu coração para Deus e o deixe agir, conforme sua soberana vontade.


Saiba que, os lamentos não são uma expressão de fé fraca, mas, pelo contrário, podem ser um meio de fortalecer a fé, permitindo que os crentes entreguem suas preocupações a Deus, confiando que Ele é capaz de lidar com suas dores e incertezas. O salmo 22 e outros salmos de lamentação, ao proporcionar uma linguagem para o sofrimento humano, tornam-se ferramentas preciosas para a comunicação aberta e honesta com Deus durante os períodos difíceis da nossa jornada de fé.


Em conclusão, o Salmo 22:1 oferece um convite à reflexão teológica sobre a natureza da fé em meio ao sofrimento e à aparente ausência de Deus. Ao examinar este versículo à luz de outras passagens bíblicas e das reflexões de teólogos, percebemos que a aparente ausência divina não é o fim da história. Pelo contrário, é muitas vezes um prelúdio para um encontro mais profundo e redentor com o Deus que está sempre presente, mesmo quando não podemos perceber.


Referência:

BONHOEFFER, D. Resistência e submissão - cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo/RS: Sinodal Editora, 2018. 


Lembre-se: Rendam graças ao SENHOR, pois Ele é bom; o seu amor dura para sempre.

Sola Scriptura - Solus Christus - Sola gratia - Sola fide e Soli Deo glória