domingo, 26 de outubro de 2025

Mente nas alturas: viver com o coração alinhado ao céu

 Está escrito:

Pensem nas coisas do alto, não nas coisas da terra” Colossenses 3:2 (NVI).

 

Vivemos em tempos barulhentos, em que tudo parece nos puxar para baixo – as notificações do celular não param, as preocupações se multiplicam e a ansiedade cresce como quem ocupa cada canto do coração – um coração cheio de ruído, mas raramente em paz. 

É nesse cenário que as palavras do apóstolo Paulo em Colossenses 3:2 soam quase como um sussurro divino: “Pensem nas coisas do alto, não nas coisas da terra”. A frase é simples, mas profundamente contracultural. Paulo nos convida a viver com a mente sintonizada nas realidades eternas, mesmo em meio às responsabilidades e desafios da vida presente. 

É importante destacar: ele não propõe alienação, mas reorientação – um novo modo de pensar, sentir e viver, moldado pela nova vida em Cristo. 

Muita gente lê esse versículo e imagina que Paulo está dizendo para ignorar os problemas da vida, como se o cristão devesse viver alheio ao que acontece ao redor. Mas não é isso. “Pensar nas coisas do alto” não é descolar-se do mundo, mas enxergar o mundo a partir da perspectiva de Deus.

É viver com o coração ancorado no céu, mesmo com os pés firmes na terra. Na prática, Paulo está dizendo algo como: “Ajuste o foco. Alinhe seus pensamentos com o Reino. Lembre-se de quem você é em Cristo”. 

O verbo grego phoroneite, (pensem), vem de phoroneō, que significa mais do simplesmente “pensar racionalmente”. Ele envolve mentalidade, disposição interior, um jeito de ver e sentir a vida. Paulo não está pedindo apenas uma mudança de opinião, mas uma transformação de perspectiva, ou seja, uma nova configuração da mente e do coração.

A expressão “as coisas do alto” aponta para o domínio celestial, o lugar onde Cristo reina. Já “as coisas da terra” representam o sistema moldado por valores passageiros, desejos desordenados e o ego humano. O contraste, portanto, não é entre o físico e o espiritual, mas entre dois centros de referência: um moldado por Cristo e outro moldado pelo mundo. 

A carta aos Colossenses foi escrita a uma igreja cercada por influências religiosas e filosóficas que ameaçavam diluir o evangelho. Havia quem misturasse a fé cristã com misticismo e tradições humanas. Diante disso, Paulo reafirma: Cristo é o centro. Se vocês ressuscitaram com Ele, vivam como quem já pertence ao céu.

E, sinceramente, o desafio hoje não é tão diferente. Vivemos cercados por “coisas da terra”: consumismo, pressa, vaidade digital, comparações e a busca incessante por reconhecimento. No meio disso, a voz de Paulo ainda ecoa: “Lembrem-se de quem vocês são e de onde vêm. A mente de vocês pertence ao alto”.  

Outros textos reforçam essa verdade: Romanos 12:2; Filipenses 4:8; Mateus 6:33 e Efésios 2:6. Nenhum deles fala de fuga da realidade, mas de viver na realidade do Reino dentro da rotina da terra.

O teólogo John Stott escreveu que “a mente cristã é o campo de batalha mais importante da fé”. Quem controla a mente, controla a vida. Por isso, o chamado de Paulo é, antes de tudo, um chamado à renovação da consciência. 

Karl Barth também afirmou: “a fé cristã não retira o homem do mundo, mas o devolve ao mundo com um novo ponto de vista”. A mente celestial, portanto, não nos torna alienados, mas relevantes. Somos chamados a pensar o céu para transformar a terra.

Talvez você se pergunte: “Mas como viver assim? Como manter a mente voltada para o alto em meio a tanta distração?” 

A resposta é: pensar no alto não é um estado místico, é um estilo de vida cultivado na presença de Deus, em meio às realidades do dia a dia. De forma simples, pensar no alto é um processo, não um instante. Não se trata de fugir do mundo, mas de manter a mente alinhada à vontade de Deus enquanto vivemos nele.

Paulo não diz: “isolem-se das coisas terrenas”, e sim: “Pensem nas coisas do alto”. Ou seja, é uma escolha contínua – uma decisão diária de foco e direção mental. Assim como quem dirige um carro precisa manter os olhos na estrada, o cristão precisa manter o coração no Reino. A mente se distrai facilmente, então precisamos reajustar o foco todos os dias, lembrando: “Cristo é o centro, não eu”. 

Pensar no alto é possível quando cultivamos uma mente espiritual. Paulo escreve em Romanos 8:5-6 que: “Quem vive segundo a carne tem a mente voltada para o que a carne deseja; mas quem vive de acordo com o Espírito tem a mente voltada para o que o Espírito deseja”. Aqui está o segredo: o Espírito Santo é o educador da mente cristã. Pensar nas coisa do alto não é um esforço mental isolado, mas fruto de comunhão com o Espírito. Por isso, é impossível manter a mente no alto sem uma vida de oração, leitura da Palavra e intimidade com Deus. Lembre-se: a mente renovada nasce no quarto secreto.

Procure alimentar sua mente com o que vem do alto. Vivemos em uma sociedade que fabrica distrações. Notícias, redes sociais, propagandas – tudo compete por nossa atenção. Mas, Filipenses 4:8 nos mostra um caminho: “Tudo o que é verdadeiro, nobre, correto, puro, amável e de boa fama... seja isso o que ocupe o pensamento de vocês”. O que você alimenta, cresce. Se alimentamos a mente apenas com o ruído do mundo, o pensamento celestial se apaga. Mas, se a nutrimos com a Palavra, a adoração e a contemplação, nossa mente naturalmente se eleva.

Portanto, é possível em nossa sociedade pensar nas coisas do alto, mas isso requer intencionalidade. Pensar no alto é um ato de resistência espiritual contra a cultura que valoriza o “agora” e o “eu”. É dizer: “Meu coração não pertence ao que é passageiro, mas ao que é eterno”. Não é fuga, é foco. É viver com outra disposição mental. O cristão trabalha, estuda, consome, se relaciona – mas com outro propósito: glorificar a Deus em tudo (1Coríntios 10:31).

Em outras palavras:

  • Você pode pensar no alto enquanto está no trânsito, orando em silêncio.
  • Pode pensar no alto enquanto trabalha, fazendo tudo com excelência e gratidão.
  • Pode pensar no alto cuidando da família, lembrando que o amor é o reflexo do céu na terra.

Em resumo, pensar nas coisas do alto é trazer o céu para dentro da rotina. Não é se desconectar da realidade, é enxergá-la com os olhos de Deus. A cada manhã, o cristão é chamado a ajustar o olhar e dizer: “Senhor, que meus pensamentos hoje reflitam o Teu Reino”. 

E quando isso acontece, a vida muda de tom. Os problemas não desaparecem, mas perdem o poder de nos dominar. A alma aprende a descansar, a mente se torna mais leve e o coração mais firme.

Referências:

Barth, Karl. Dogmática Eclesiástica, Volume IV/3: A Doutrina da Reconciliação. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Fonte Editorial, 2009.

Stott, John R. W. A Mente Cristã: A necessidade de pensar como cristão. São Paulo: Ultimato, 2006.


✍️ Sobre o autor

Sérgio Ribeiro dos Santos é missionário, comunicador cristão e escritor pastoral.
Apaixonado pela Palavra e pela transformação que o Evangelho traz à mente e ao coração, dedica-se a ajudar pessoas a viverem uma fé real, prática e profundamente enraizada em Cristo.

Sola Scriptura - Solus Christus - Sola gratia - Sola fide e Soli Deo glória 

Christós kyrios

domingo, 19 de outubro de 2025

Tudo novo: a transformação da vida em Cristo


 

Está escrito:

Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas” 2Coríntios 5:17 (NVI).

 

O evangelho não é simplesmente um convite para mudar de religião. É muito mais que isso. É um chamado radical para nascer de novo. Não se trata apenas de trocar hábitos, adotar uma moralidade diferente ou seguir um novo conjunto de regras. É uma transformação profunda, um renascimento produzido pela graça de Deus. No instante em que, pela fé, nos unimos a Cristo, Deus inicia em nós uma obra de engenharia espiritual – Ele não faz pequenos ajustes, mas nos recria a partir do centro do nosso ser.

Mas afinal, o que significa, na prática, ser uma nova criatura? E como essa verdade impacta a vida do cristão hoje, em meio às pressões, tentações e desafios da pós-modernidade?

Paulo não deixa margem para dúvidas: estar em Cristo é ser feito novo. Não é uma reforma do “eu antigo”, mas uma criação espiritual. John Stott resume bem: “O cristianismo não é uma melhoria do velho eu, mas a substituição dele pelo novo eu em Cristo”. 

Romanos 6:14 nos ajuda a compreender essa realidade: “Pois o pecado não os dominará, porque vocês não estão debaixo da lei, mas debaixo da graça”. A graça não apenas perdoa, mas liberta. O pecado perde o domínio, e o cristão passa a viver em uma nova esfera: a liberdade em Cristo.

Gálata 6:15 reforça esse mesmo princípio: “De nada vale ser circuncidado ou não. O que importa é ser uma nova criação”. Em outras palavras, não são rituais externos ou práticas religiosas que definem nossa identidade, mas a obra transformadora de Cristo dentro de nós. 

Essa verdade ecoa em várias passagens bíblicas: João 3:3; Efésios 4:22-24; Colossenses 3:9-10 e Apocalipse 21:5 (Eis que faço novas todas as coisas). Esses textos revelam que a nova vida não é apenas um conceito, mas uma realidade presente e futura, já manifesta aqui e agora, e que culminará na eternidade.

Agostinho, ao refletir sobre sua conversão, escreveu em suas Confissões: “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova. Estavas dentro de mim, mas eu te buscava fora”. Para ele, a novidade de vida não era superficial, mas uma transformação profunda do coração, que o levou a amar a Deus acima de todas as coisas. 

Martinho Lutero também ressaltava esse caráter radical ao afirmar que o cristão é ao mesmo tempo justo e pecador. Ou seja, em Cristo somos declarados justos, mas ainda vivemos a tensão de lutar contra a velha natureza.

Dietrich Bonhoeffer lembrava que essa novidade de vida exige concretude: “A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem disciplina da comunidade, é a ceia sem confissão dos pecados. A graça preciosa é a graça que nos chama a seguir a Jesus Cristo”. 

E talvez aqui surja a pergunte: como é possível alguém confessar Jesus como Senhor e Salvador, frequentar uma igreja e ainda assim permanecer vivendo no pecado? Isso significa que essa pessoa nunca nasceu de novo, ou que ainda age com a disposição mental do “homem carnal”?

Para responder, podemos olhar por três perspectivas: bíblica, teológica e prática.

1. Bíblica. A Bíblia ensina que confessar Jesus como Senhor é essencial: “Se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo” (Romanos 10:9). Mas também alerta: confissão sem transformação não é evidência de novo nascimento. O próprio Jesus disse: “Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai” (Mateus 7:21). Em outras palavras: a verdadeira fé em Cristo gera frutos visíveis de mudança, ainda que seja um processo.

2. Teológica. Paulo é claro em 2Coríntios 5:17 que, em Cristo, somos nova criação. Isso não significa perfeição imediata, mas uma nova disposição mental, acompanhada de uma luta contínua contra o pecado. João nos ajuda a entender essa tensão: “Se afirmamos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos” (1João 1:8). E: “Ninguém que nele permanece vive pecando. Ninguém que continua a pecar o conhece ou dele é nascido” (1João 3:6). Aqui não há contradição. João não diz que o cristão nunca peca, mas que não permanece na prática deliberada e contínua do pecado, sem arrependimento. O Espírito Santo gera convicção e mudança real.

3. Prática. Paulo fala do “homem natural” (1Co 2:14) e chama alguns cristãos de Corinto de “carnais” (1Co 3:1-3), porque ainda viviam presos a inveja, divisões e paixões humanas. Isso mostra que é possível alguém começar a caminhada cristã e, mesmo assim, viver condicionado por padrões antigos, sem se render plenamente à ação renovada do Espírito Santo. 

Mas, há uma diferença crucial: 

  • o não-regenerado vive no pecado sem arrependimento e o regenerado, mas imaturo, pode cair, mas sente pesar, busca restauração e vai sendo transformado pouco a pouco pela graça. 

Assim, se alguém confessa Cristo, mas permanece confortável no pecado, sem arrependimento ou desejo de mudança, isso pode indicar duas coisas:

1. Nunca nasceu de novo, vivendo apenas uma fé intelectual ou emocional;

2. Ou está resistindo ao Espírito Santo, vivendo como “criança em Cristo”, sem buscar maturidade.

Em ambos os casos, o chamado é o mesmo: arrependimento, submissão ao Senhorio de Cristo e renovação da mente pela Palavra (Romanos 12:2).

Ser nova criatura em Cristo significa que nossa identidade já não está firmada em fracassos, no passado ou nos rótulos que o mundo nos impõe. Agora está ancorada em Jesus. 

Na prática, isso se manifesta assim:

  • No trabalho: não somos definidos pelo cargo ou salário, mas pela integridade e serviço.
  • Nos relacionamentos: perdoamos porque fomos perdoados, amamos porque fomos amados.
  • Na luta contra o pecado: não vivemos mais acorrentados, porque “o pecado não terá domínio sobre vocês” (Romanos 6:14).
  • Na esperança diária: mesmo quando falhamos, podemos recomeçar, pois “aquele que começou a boa obra em vocês há de completá-la” (Filipenses 1:6).

Portanto, a vida nova em Cristo é um convite diário para viver como quem já pertence ao Reino de Deus, mesmo caminhando neste mundo. É uma verdade existencial, uma realidade espiritual e uma esperança escatológica. 

Assim, a cada manhã, o cristão pode acordar lembrando: “O velho já passou. Hoje caminho em novidade de vida”.

Referências:

AGOSTINHO. Confissões. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2017.

BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal; Vitória: Editora Unida, 2016.

LUTERO, Martinho. Os escritos principais de Martinho Lutero. Porto Alegre: Concórdia, 2000.

STOTT, John. A Mensagem de 2 Coríntios: do sofrimento à glória. São Paulo: ABU Editora, 2012.


✍️ Sobre o autor

Sérgio Ribeiro dos Santos é missionário, comunicador cristão e escritor pastoral.
Apaixonado pela Palavra e pela transformação que o evangelho traz à mente e ao coração, dedica-se a ajudar pessoas a viverem uma fé real, prática e profundamente enraizada em Cristo.


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Christós kyrios

domingo, 12 de outubro de 2025

Ecos da fé - Episódio 9: Renovação da mente (Parte 2)

 Ecos da fé-Renovação da mente (Parte 2)

O novo homem: renovados na mente e transformados pela Verdade


 

Está escrito:

para serem renovados no modo de pensar e se vestirem do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e santidade provenientes da verdade” Efésios 4:23-24 (NVI)

 

O apóstolo Paulo, em sua carta aos Efésios, nos oferece uma das imagens mais belas e profundas de transformação. Em Efésios 4:23-24, ele não apenas aconselha, mas convoca os crentes a uma mudança radical: sermos renovados no modo de pensar. Esse chamado não é superficial; é um convite para uma verdadeira metamorfose, que toca o coração e redefine quem somos. O evangelho não é só um conjunto de ideias que abraçamos, mas um chamado a viver de forma totalmente nova – uma vida moldada pela verdade de Deus.

A renovação da mente é o ponto de partida. Afinal, é na mente que se forma nossos pensamentos, valores, decisões e atitudes. Por isso, o evangelho não se contenta em reformar o exterior; ele vai ao centro do nosso ser. John Stott resume bem: “a santidade cristã não começa pelo comportamento, mas pelo pensamento. É uma transformação de dentro para fora”. E essa mente, antes corrompida pelo pecado, precisa ser lavada e reconfigurada pela Palavra de Deus.

Mas repare: essa renovação não é passiva. Não acontece sozinha. Ela exige disciplina diária, uma escolha consciente de trazer nossos pensamentos para luz da Palavra. A Bíblia funciona como um espelho, mostrando quem realmente somos, e como uma bússola, apontando para aquilo que Deus quer que sejamos. Não é à toa que Paulo repete essa ideia em Romanos 12:2, quando fala sobre não se conformar ao mundo, mas ser transformado pela renovação da nossa mente. Em 2 Coríntios 3:18, ele reforça que essa transformação é progressiva, de glória, enquanto o Espírito Santo nos conforma à imagem de Cristo.

E qual é o resultado dessa renovação? Paulo descreve como o ato de “se vestir do novo homem”. Essa metáfora da roupa é riquíssima. No mundo antigo, trocar de vestes muitas vezes representava uma mudança de identidade ou status. No contexto de Efésios, o “o velho homem” aponta para nossa natureza corrompida, marcada pelo pecado. Já o “novo homem” é nossa nova identidade em Cristo, recriada para refletir a justiça e a santidade provenientes da verdade”. 

A justiça aqui, não é só ausência de pecado, mas um viver alinhado ao caráter de Deus. E a santidade é mais que uma ideia abstrata: é separação do mal e entrega total ao Senhor. O teólogo Charles Spurgeon costumava dizer que a santidade é o reflexo de Cristo em nós – e isso resume bem. Viver de forma justa e santa não deve ser um peso, mas o transbordar natural de uma mente renovada e de um coração que deseja agradar a Deus. 

Tudo isso tem uma base sólida: a verdade. Não a “nossa verdade”, moldada por emoções passageiras ou por conveniências humanas, mas a verdade de Deus, revelada em Cristo e em Sua Palavra. Essa verdade liberta do engano do pecado e nos dá forças para viver de modo que espelhe o caráter divino. 

Agora, é claro que a vida não facilita. No meio da correria, das distrações e pressões do mundo, renovar a mente é um desafio constante. O “velho homem” insiste em nos puxar de volta, seduzindo com valores contrários ao Reino. Então surge a pergunta: Como, na prática, acontece essa transformação interior que dá origem à renovação da mente? A transformação interior que gera a renovação da mente não acontece pela força de vontade humana nem por técnicas de autoajuda, mas pela ação do Espírito Santo através da Palavra de Deus, que vai moldando nossa forma de pensar, sentir e agir. Assim, a resposta está em quatro aspectos:

1. O ponto de partida: a obra do Espírito Santo

A mudança começa quando alguém nasce de novo (João 3:5-6). Nesse momento, o Espírito Santo passa a habita no coração do crente, iluminando sua mente para compreender as coisas espirituais (1Coríntios 2:14-16). Aquela mente que antes era “hostil a Deus” (Romanos 8:7) passa a ser renovada para amar e obedecer.

2. O meio: a Palavra de Deus 

Não há renovação da mente sem exposição constante às Escrituras. Jesus orou: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (João 17:17). É pela Palavra que nossa fé é fortalecida (Romanos 10:17) e nossos pensamentos realinhados com a vontade do SENHOR.

3. O processo – despojar-se e revestir-se

Paulo explica em Efésios 4:22-24: precisamos deixar o “velho homem” (práticas, desejos e valores contrários a Deus) e nos revestir do “novo homem” em Cristo. Isso se traduz em escolhas práticas: falar a verdade em vez da mentira (Efésios 4:25), perdoar em vez de cultivar mágoa (Efésios 4:31-32), buscar pureza em vez da impureza (Efésios 5:3-4).

4. O alvo: refletir Cristo

O objetivo final é sermos conformados à imagem de Cristo (Romanos 8:29). Em 2 Coríntios 3:18, Paulo declara que estamos sendo transformados à Sua imagem com glória cada vez maior, e isso é obra do Espírito Santo. 

Portanto, a transformação interior não nasce de esforço humano ou de fórmulas mágicas, mas da obra regeneradora e santificadora do Espírito, alimentada pela Palavra, confirmada em escolhas diárias de obediência e orientada para o grande alvo: ser semelhante a Cristo.

Em resumo, Efésios 4:23-24 nos chama a um processo contínuo de renovação. Não é um evento pontual, mas uma caminhada diária: despir-se da velha natureza e se revestir de Cristo. Essa renovação é sustentada pela Palavra, guiada pelo Espírito e visível em atos concretos de justiça e santidade. No fim, não se trata apenas de pensar diferente, mas de viver como quem pertence a Deus. 

E aqui fica a pergunta que vale para todos nós: em qual parte desse processo de renovação da mente você sente que precisa de mais atenção na sua vida hoje?

 

Referências:

STOTT, John. A mensagem de Efésios. Série A Bíblia Fala Hoje. São Paulo: ABU Ed, 1993.

 

Lembre-se: Rendam graças ao SENHOR, pois Ele é bom; o seu amor dura para sempre.

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Christós kyrios

domingo, 5 de outubro de 2025

Renovando a mente para viver a vontade de Deus - Parte 2

 


Está escrito:

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” Romanos 12:2 (NVI).

 

O apóstolo Paulo, em Romanos 12:2, nos convida a uma transformação radical e desafiadora. Não é apenas um chamado a rejeitar os valores passageiros da cultura, mas a experimentar a vida nova que nasce da graça e da ação do Espírito Santo. O cristão não é chamado a fugir do mundo, mas a viver nele com uma mente renovada, capaz de discernir e praticar a vontade de Deus.

A transformação de que Paulo fala não é simples mudança de hábito. É algo muito mais profundo – uma mudança interior, tão radical quanto a metamorfose da lagarta em borboleta. O primeiro alerta é: “não se amoldem ao padrão deste mundo”. O verbo “amoldar” sugere a ideia de ser pressionado a assumir a forma de algo externo, como quem se deixa moldar por pressões culturais. A cultura, com seus valores muitas vezes distantes de Deus, tenta constantemente moldar nossa forma de pensar e agir. 

Esse “padrão do mundo” diz respeito à mentalidade, aos valores, sistemas, ideologias e filosofias que operam à parte de Deus. É a busca incansável por poder, riqueza, status, prazeres imediatos e reconhecimento social a qualquer custo. É uma cosmovisão que tenta moldar nossa identidade e propósito a partir de fontes externas, e não de dentro para fora, sem qualquer referência ao Criador.

O apóstolo João também adverte: “Não amem o mundo, nem o que nele há” (1João 2:15-16). Os desejos da carne, dos olhos e a soberba da vida não vêm do Pai. Martyn Lloyd-Jones refletindo sobre isso, afirma que a grande tentação da igreja é ajustar-se ao que é popular, e não ao que é verdadeiro. Ser cristão, portanto, é ter coragem de nadar contra a corrente, mesmo que isso pareça estranho ou impopular.

Já a palavra “transformar” vem do grego metamorphoō, mudança de dentro para fora, operada pelo Espírito Santo. É o que dá ao cristão uma nova forma de enxergar a vida, filtrada pelo Evangelho. O teólogo John Stott explica que a renovação da mente é essencial, porque nossas ações fluem do que pensamos. O perigo, segundo ele, não está em viver no mundo, mas em permitir que o mundo viva dentro de nós. Muitas vezes, a igreja se preocupou tanto em “vencer o mundo” que se esqueceu de resistir às suas sutis seduções. 

Perceba que não se trata de uma simples moralidade externa, mas de uma disposição mental que resulta em novas atitudes e escolhas. Paulo reforça essa ideia em Efésios 4:23-24: “A serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade”. A renovação da mente, portanto, não é opcional. É a essência da vida em Cristo e exige intencionalidade em alinhar nossos pensamentos para à verdade de Deus.

E qual a motivação? Paulo responde: “para que vocês experimentem a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Quando deixamos de nos conformar ao mundo e vivemos com a mente renovada, experimentamos a realidade da vontade de Deus. Não como quem tenta adivinhar um destino oculto, mas como quem desfruta de uma vida conduzida pelo Espírito.

O teólogo F. F. Bruce destaca que a vontade de Deus não é um fardo pesado ou uma série de exigências impossíveis, mas uma dádiva. Ele a descreve como “boa” (beneficente, que traz o bem), “agradável” (prazerosa, que gera satisfação) e “perfeita” (completa, que conduz ao propósito pleno). Longe de ser um plano rígido e inflexível, a vontade de Deus é o caminho para a realização plena, onde encontramos a verdadeira liberdade e alegria.

Talvez você se pergunte: Paulo escreveu isso para cristãos em Roma, então será que eles não haviam experimentado o novo nascimento que Jesus ensinou a Nicodemos? E será que isso acontece hoje com a igreja contemporânea?

Boa pergunta! Esse é um tema para outra mensagem, mas vamos sintetizar a resposta para esclarecer as questões. Paulo escreve a cristãos já regenerados, mas que precisavam de crescimento contínuo em santificação. A diferença é clara: o novo nascimento é a porta de entrada para a vida cristã, enquanto a renovação da mente é um processo diário de amadurecimento.

Na igreja contemporânea, acontece algo parecido: muitos professam fé, mas não demostram uma vida transformada. Isso pode ocorrer por dois motivos:

1. Porque nunca houve um novo nascimento genuíno, ou seja, a pessoa vive apenas uma fé cultural, sem conversão real.

2. Porque, mesmo tendo nascido de novo, resiste ao processo de santificação, vivendo estagnada e conformada com o mundo.

Por isso, a igreja precisa provar a realidade do Evangelho por meio de vidas transformadas. Isso exige discipulado, estudo bíblico, oração e coragem para viver de forma diferente da cultura. A grande questão que fica é: estamos apenas frequentando a igreja ou realmente deixando Cristo nos transformar diariamente?

Em suma, Romanos 12:2 nos lembra que o maior campo de batalha da fé está dentro de nós. A revolução verdadeira não acontece no mundo exterior, mas em nossa mente. É um convite a sair do “piloto automático” e permitir que o Espírito Santo nos molde à imagem de Cristo. Só assim experimentamos a vida plena que Deus planejou para nós.

Permita-me orar:

“SENHOR, renova a nossa mente e transforma o nosso coração.

Ajuda-nos a não nos conformar com este mundo, mas a viver segundo a Tua vontade, que é boa, agradável e perfeita.

Que cada escolha nossa reflita o amor de Cristo e a esperança que só o SENHOR pode dar.

Em nome de Jesus, amém!” 

Lembre-se: Rendam graças ao SENHOR, pois Ele é bom; o seu amor dura para sempre.

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