domingo, 2 de novembro de 2025

Guardar o tesouro no coração: a Palavra como escudo contra o pecado

 

Está escrito:

Guardei no coração a tua palavra para não pecar contra ti”. (Salmo 119:11, NVI)

 

O Salmo 119 é o mais longo de toda a Bíblia e um verdadeiro hino à Palavra de Deus. Cada versículo pulsa com amor, reverência e devoção de alguém que encontrou nas Escrituras o verdadeiro tesouro da vida. Quando o salmista declara: “Guardei no coração a tua palavra”, ele não está falando apenas de decorar versículos, mas de abrigar dentro de si a verdade divina, como quem guarda algo precioso num cofre.

Em tempos de tanta superficialidade espiritual, essa declaração soa quase como um convite contracultural: voltar a internalizar a Palavra, não apenas lê-la

Vamos, então, mergulhar com calma nesse versículo - buscando entender o que o salmista quis dizer, o que ele ensina a nós hoje e como podemos viver essa verdade de forma prática.

O Salmo 119 é uma poesia acróstica (organizada pelas letras do alfabeto hebraico) que exalta a Lei de Deus – a Torá – e usa diversos sinônimos para descrevê-la: lei, mandamentos, preceitos, estatutos, decretos... No versículo 11, três expressões merecem destaque:

1. “Guardei” ou “Escondi”: a palavra hebraica é tsaphan, que significa esconder, armazenar, entesourar. A ideia é de proteger algo valioso, de manter seguro o que tem grande valor. Não se trata de uma lembrança superficial na mente, mas de um ato intencional de guardar um tesouro dentro da alma.

2. “No coração”: na cosmovisão hebraica, o “coração” não é apenas o centro das emoções, mas também da vontade, do intelecto, das decisões e da consciência moral. Guardar a Palavra no coração é integrá-la ao âmago do ser, torná-la a bússola que orienta pensamentos, sentimentos e escolhas.

3. “Para não pecar contra ti”: aqui está o propósito: guardar a Palavra é o antídoto contra o pecado. O pecado é o desvio do caminho de Deus (1 João 3:4). A Palavra guardada atua como um escudo, um lembrete constante da vontade divina e uma luz que revela o perigo. O salmista reconhece que a proteção contra o pecado não é automática, mas fruto de uma disciplina espiritual.

Embora o salmista vivesse sob a Antiga Aliança, o princípio é universal e atemporal. No Novo Testamento, ele ganha nova profundidade em Cristo, o Verbo (Logos) que se fez carne (João 1:14). Hoje, a Palavra, é o registo escrito (Bíblia) e o viver em comunhão com Cristo (a Palavra Viva). Essa “guarda” acontece pela leitura, estudo, meditação e, sobretudo, pela obediência sustentada pelo Espírito Santo

Como dizia Agostinho de Hipona “a Palavra de Deus não deve estar apenas nos lábios, mas no coração; porque só o que está no coração transforma a vida”. Jonh Wesley chamou a Bíblia de “a carta de amor de Deus ao homem, e quando lida com o coração aberto, o Espírito a grava na alma como lei de vida”, e Charles Spurgeon escreveu: “A única maneira de vencer o pecado é ter a Palavra de Deus como guarda do coração. A graça que vem das Escrituras é o antídoto contra o veneno do pecado”. 

Esses homens de Deus entenderam que a santidade prática nasce da comunhão constante com a Palavra – não apenas como leitura, mas como revelação viva impressa pelo Espírito Santo no coração.

Talvez você se pergunte: como posso, no meio da correria dos meus dias, guardar a Palavra para não pecar? 

Essa é a ponte entre a teologia da Palavra e a vida cristã diária. Guardar a Palavra, não é um evento, mas um estilo de vida moldado pela intimidade com Deus. Aqui estão alguns caminhos simples, mas espiritualmente profundos para trilhar esse propósito:

1. Meditar, não apenas ler: guardar começa com meditação, não com pressa. Não é sobre quantidade, mas profundidade. Escolha um pequeno trecho, leia devagar, pergunte: “O que Deus está me mostrando sobre Ele e sobre mim?”

2. Memorizar com propósito: Memorizar versículos é uma prática antiga e poderosa. Quando o Espírito Santo traz um texto à memória na hora certa, é porque ele já estava guardado ali. Escolha um versículo por semana e repita em momentos comuns – no trânsito, no banho, ao acordar. Isso não é ritualismo; é semear a mente com o que é eterno.

3. Orar com a Palavra: transforme a leitura em diálogo. Quando oramos as Escrituras, o Espírito grava sua verdade em nós de forma viva e pessoal. Leia um salmo e transforme-o em oração. 

4. Viver o que se aprende: a Palavra só se torna parte do coração quando entra na prática. A obediência é o cimento que fixa a verdade no interior. Então, cada vez que Deus te ensinar algo na Bíblia, pergunte: “o que preciso mudar hoje para viver isso?”.

5. Permitir que o Espírito Santo ilumine: guardar a Palavra é obra do Espírito, não apenas esforço humano. Ele é quem grava a Palavra nas tábuas do coração (2 Coríntios 3:3). Portanto, antes de ler, ore: “Espírito Santo, fala comigo. Que tua Palavra penetre e transforme o meu coração”. 

O maior desafio do cristão hoje não é falta de informação bíblica, mas a falta de interiorização espiritual. Guardar a Palavra é um ato de resistência espiritual, um gesto de amor que protege a alma e alinha a vida à vontade de Deus.

Em um mundo saturado de vozes, guardar a Palavra é escolher ouvir Deus primeiro. Por isso, o convite do salmista ainda ecoa com ternura e poder: “Guarde a Palavra no coração, e o coração guardará você”. 

Referências:

Agostinho, Confissões.

John Wesley, Sermões sobre vários assuntos importantes.

Charles Spurgeon, The Treasury of Davi.

 

✍️ Sobre o autor

Sérgio Ribeiro dos Santos é missionário, comunicador cristão e escritor pastoral.
Apaixonado pela Palavra e pela transformação que o evangelho traz à mente e ao coração, dedica-se a ajudar pessoas a viverem uma fé real, prática e profundamente enraizada em Cristo.

Sola Scriptura - Solus Christus - Sola gratia - Sola fide e Soli Deo glória 

Christós kyrios

domingo, 26 de outubro de 2025

Mente nas alturas: viver com o coração alinhado ao céu

 Está escrito:

Pensem nas coisas do alto, não nas coisas da terra” Colossenses 3:2 (NVI).

 

Vivemos em tempos barulhentos, em que tudo parece nos puxar para baixo – as notificações do celular não param, as preocupações se multiplicam e a ansiedade cresce como quem ocupa cada canto do coração – um coração cheio de ruído, mas raramente em paz. 

É nesse cenário que as palavras do apóstolo Paulo em Colossenses 3:2 soam quase como um sussurro divino: “Pensem nas coisas do alto, não nas coisas da terra”. A frase é simples, mas profundamente contracultural. Paulo nos convida a viver com a mente sintonizada nas realidades eternas, mesmo em meio às responsabilidades e desafios da vida presente. 

É importante destacar: ele não propõe alienação, mas reorientação – um novo modo de pensar, sentir e viver, moldado pela nova vida em Cristo. 

Muita gente lê esse versículo e imagina que Paulo está dizendo para ignorar os problemas da vida, como se o cristão devesse viver alheio ao que acontece ao redor. Mas não é isso. “Pensar nas coisas do alto” não é descolar-se do mundo, mas enxergar o mundo a partir da perspectiva de Deus.

É viver com o coração ancorado no céu, mesmo com os pés firmes na terra. Na prática, Paulo está dizendo algo como: “Ajuste o foco. Alinhe seus pensamentos com o Reino. Lembre-se de quem você é em Cristo”. 

O verbo grego phoroneite, (pensem), vem de phoroneō, que significa mais do simplesmente “pensar racionalmente”. Ele envolve mentalidade, disposição interior, um jeito de ver e sentir a vida. Paulo não está pedindo apenas uma mudança de opinião, mas uma transformação de perspectiva, ou seja, uma nova configuração da mente e do coração.

A expressão “as coisas do alto” aponta para o domínio celestial, o lugar onde Cristo reina. Já “as coisas da terra” representam o sistema moldado por valores passageiros, desejos desordenados e o ego humano. O contraste, portanto, não é entre o físico e o espiritual, mas entre dois centros de referência: um moldado por Cristo e outro moldado pelo mundo. 

A carta aos Colossenses foi escrita a uma igreja cercada por influências religiosas e filosóficas que ameaçavam diluir o evangelho. Havia quem misturasse a fé cristã com misticismo e tradições humanas. Diante disso, Paulo reafirma: Cristo é o centro. Se vocês ressuscitaram com Ele, vivam como quem já pertence ao céu.

E, sinceramente, o desafio hoje não é tão diferente. Vivemos cercados por “coisas da terra”: consumismo, pressa, vaidade digital, comparações e a busca incessante por reconhecimento. No meio disso, a voz de Paulo ainda ecoa: “Lembrem-se de quem vocês são e de onde vêm. A mente de vocês pertence ao alto”.  

Outros textos reforçam essa verdade: Romanos 12:2; Filipenses 4:8; Mateus 6:33 e Efésios 2:6. Nenhum deles fala de fuga da realidade, mas de viver na realidade do Reino dentro da rotina da terra.

O teólogo John Stott escreveu que “a mente cristã é o campo de batalha mais importante da fé”. Quem controla a mente, controla a vida. Por isso, o chamado de Paulo é, antes de tudo, um chamado à renovação da consciência. 

Karl Barth também afirmou: “a fé cristã não retira o homem do mundo, mas o devolve ao mundo com um novo ponto de vista”. A mente celestial, portanto, não nos torna alienados, mas relevantes. Somos chamados a pensar o céu para transformar a terra.

Talvez você se pergunte: “Mas como viver assim? Como manter a mente voltada para o alto em meio a tanta distração?” 

A resposta é: pensar no alto não é um estado místico, é um estilo de vida cultivado na presença de Deus, em meio às realidades do dia a dia. De forma simples, pensar no alto é um processo, não um instante. Não se trata de fugir do mundo, mas de manter a mente alinhada à vontade de Deus enquanto vivemos nele.

Paulo não diz: “isolem-se das coisas terrenas”, e sim: “Pensem nas coisas do alto”. Ou seja, é uma escolha contínua – uma decisão diária de foco e direção mental. Assim como quem dirige um carro precisa manter os olhos na estrada, o cristão precisa manter o coração no Reino. A mente se distrai facilmente, então precisamos reajustar o foco todos os dias, lembrando: “Cristo é o centro, não eu”. 

Pensar no alto é possível quando cultivamos uma mente espiritual. Paulo escreve em Romanos 8:5-6 que: “Quem vive segundo a carne tem a mente voltada para o que a carne deseja; mas quem vive de acordo com o Espírito tem a mente voltada para o que o Espírito deseja”. Aqui está o segredo: o Espírito Santo é o educador da mente cristã. Pensar nas coisa do alto não é um esforço mental isolado, mas fruto de comunhão com o Espírito. Por isso, é impossível manter a mente no alto sem uma vida de oração, leitura da Palavra e intimidade com Deus. Lembre-se: a mente renovada nasce no quarto secreto.

Procure alimentar sua mente com o que vem do alto. Vivemos em uma sociedade que fabrica distrações. Notícias, redes sociais, propagandas – tudo compete por nossa atenção. Mas, Filipenses 4:8 nos mostra um caminho: “Tudo o que é verdadeiro, nobre, correto, puro, amável e de boa fama... seja isso o que ocupe o pensamento de vocês”. O que você alimenta, cresce. Se alimentamos a mente apenas com o ruído do mundo, o pensamento celestial se apaga. Mas, se a nutrimos com a Palavra, a adoração e a contemplação, nossa mente naturalmente se eleva.

Portanto, é possível em nossa sociedade pensar nas coisas do alto, mas isso requer intencionalidade. Pensar no alto é um ato de resistência espiritual contra a cultura que valoriza o “agora” e o “eu”. É dizer: “Meu coração não pertence ao que é passageiro, mas ao que é eterno”. Não é fuga, é foco. É viver com outra disposição mental. O cristão trabalha, estuda, consome, se relaciona – mas com outro propósito: glorificar a Deus em tudo (1Coríntios 10:31).

Em outras palavras:

  • Você pode pensar no alto enquanto está no trânsito, orando em silêncio.
  • Pode pensar no alto enquanto trabalha, fazendo tudo com excelência e gratidão.
  • Pode pensar no alto cuidando da família, lembrando que o amor é o reflexo do céu na terra.

Em resumo, pensar nas coisas do alto é trazer o céu para dentro da rotina. Não é se desconectar da realidade, é enxergá-la com os olhos de Deus. A cada manhã, o cristão é chamado a ajustar o olhar e dizer: “Senhor, que meus pensamentos hoje reflitam o Teu Reino”. 

E quando isso acontece, a vida muda de tom. Os problemas não desaparecem, mas perdem o poder de nos dominar. A alma aprende a descansar, a mente se torna mais leve e o coração mais firme.

Referências:

Barth, Karl. Dogmática Eclesiástica, Volume IV/3: A Doutrina da Reconciliação. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Fonte Editorial, 2009.

Stott, John R. W. A Mente Cristã: A necessidade de pensar como cristão. São Paulo: Ultimato, 2006.


✍️ Sobre o autor

Sérgio Ribeiro dos Santos é missionário, comunicador cristão e escritor pastoral.
Apaixonado pela Palavra e pela transformação que o Evangelho traz à mente e ao coração, dedica-se a ajudar pessoas a viverem uma fé real, prática e profundamente enraizada em Cristo.

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Christós kyrios

domingo, 19 de outubro de 2025

Tudo novo: a transformação da vida em Cristo


 

Está escrito:

Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas” 2Coríntios 5:17 (NVI).

 

O evangelho não é simplesmente um convite para mudar de religião. É muito mais que isso. É um chamado radical para nascer de novo. Não se trata apenas de trocar hábitos, adotar uma moralidade diferente ou seguir um novo conjunto de regras. É uma transformação profunda, um renascimento produzido pela graça de Deus. No instante em que, pela fé, nos unimos a Cristo, Deus inicia em nós uma obra de engenharia espiritual – Ele não faz pequenos ajustes, mas nos recria a partir do centro do nosso ser.

Mas afinal, o que significa, na prática, ser uma nova criatura? E como essa verdade impacta a vida do cristão hoje, em meio às pressões, tentações e desafios da pós-modernidade?

Paulo não deixa margem para dúvidas: estar em Cristo é ser feito novo. Não é uma reforma do “eu antigo”, mas uma criação espiritual. John Stott resume bem: “O cristianismo não é uma melhoria do velho eu, mas a substituição dele pelo novo eu em Cristo”. 

Romanos 6:14 nos ajuda a compreender essa realidade: “Pois o pecado não os dominará, porque vocês não estão debaixo da lei, mas debaixo da graça”. A graça não apenas perdoa, mas liberta. O pecado perde o domínio, e o cristão passa a viver em uma nova esfera: a liberdade em Cristo.

Gálata 6:15 reforça esse mesmo princípio: “De nada vale ser circuncidado ou não. O que importa é ser uma nova criação”. Em outras palavras, não são rituais externos ou práticas religiosas que definem nossa identidade, mas a obra transformadora de Cristo dentro de nós. 

Essa verdade ecoa em várias passagens bíblicas: João 3:3; Efésios 4:22-24; Colossenses 3:9-10 e Apocalipse 21:5 (Eis que faço novas todas as coisas). Esses textos revelam que a nova vida não é apenas um conceito, mas uma realidade presente e futura, já manifesta aqui e agora, e que culminará na eternidade.

Agostinho, ao refletir sobre sua conversão, escreveu em suas Confissões: “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova. Estavas dentro de mim, mas eu te buscava fora”. Para ele, a novidade de vida não era superficial, mas uma transformação profunda do coração, que o levou a amar a Deus acima de todas as coisas. 

Martinho Lutero também ressaltava esse caráter radical ao afirmar que o cristão é ao mesmo tempo justo e pecador. Ou seja, em Cristo somos declarados justos, mas ainda vivemos a tensão de lutar contra a velha natureza.

Dietrich Bonhoeffer lembrava que essa novidade de vida exige concretude: “A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem disciplina da comunidade, é a ceia sem confissão dos pecados. A graça preciosa é a graça que nos chama a seguir a Jesus Cristo”. 

E talvez aqui surja a pergunte: como é possível alguém confessar Jesus como Senhor e Salvador, frequentar uma igreja e ainda assim permanecer vivendo no pecado? Isso significa que essa pessoa nunca nasceu de novo, ou que ainda age com a disposição mental do “homem carnal”?

Para responder, podemos olhar por três perspectivas: bíblica, teológica e prática.

1. Bíblica. A Bíblia ensina que confessar Jesus como Senhor é essencial: “Se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo” (Romanos 10:9). Mas também alerta: confissão sem transformação não é evidência de novo nascimento. O próprio Jesus disse: “Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai” (Mateus 7:21). Em outras palavras: a verdadeira fé em Cristo gera frutos visíveis de mudança, ainda que seja um processo.

2. Teológica. Paulo é claro em 2Coríntios 5:17 que, em Cristo, somos nova criação. Isso não significa perfeição imediata, mas uma nova disposição mental, acompanhada de uma luta contínua contra o pecado. João nos ajuda a entender essa tensão: “Se afirmamos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos” (1João 1:8). E: “Ninguém que nele permanece vive pecando. Ninguém que continua a pecar o conhece ou dele é nascido” (1João 3:6). Aqui não há contradição. João não diz que o cristão nunca peca, mas que não permanece na prática deliberada e contínua do pecado, sem arrependimento. O Espírito Santo gera convicção e mudança real.

3. Prática. Paulo fala do “homem natural” (1Co 2:14) e chama alguns cristãos de Corinto de “carnais” (1Co 3:1-3), porque ainda viviam presos a inveja, divisões e paixões humanas. Isso mostra que é possível alguém começar a caminhada cristã e, mesmo assim, viver condicionado por padrões antigos, sem se render plenamente à ação renovada do Espírito Santo. 

Mas, há uma diferença crucial: 

  • o não-regenerado vive no pecado sem arrependimento e o regenerado, mas imaturo, pode cair, mas sente pesar, busca restauração e vai sendo transformado pouco a pouco pela graça. 

Assim, se alguém confessa Cristo, mas permanece confortável no pecado, sem arrependimento ou desejo de mudança, isso pode indicar duas coisas:

1. Nunca nasceu de novo, vivendo apenas uma fé intelectual ou emocional;

2. Ou está resistindo ao Espírito Santo, vivendo como “criança em Cristo”, sem buscar maturidade.

Em ambos os casos, o chamado é o mesmo: arrependimento, submissão ao Senhorio de Cristo e renovação da mente pela Palavra (Romanos 12:2).

Ser nova criatura em Cristo significa que nossa identidade já não está firmada em fracassos, no passado ou nos rótulos que o mundo nos impõe. Agora está ancorada em Jesus. 

Na prática, isso se manifesta assim:

  • No trabalho: não somos definidos pelo cargo ou salário, mas pela integridade e serviço.
  • Nos relacionamentos: perdoamos porque fomos perdoados, amamos porque fomos amados.
  • Na luta contra o pecado: não vivemos mais acorrentados, porque “o pecado não terá domínio sobre vocês” (Romanos 6:14).
  • Na esperança diária: mesmo quando falhamos, podemos recomeçar, pois “aquele que começou a boa obra em vocês há de completá-la” (Filipenses 1:6).

Portanto, a vida nova em Cristo é um convite diário para viver como quem já pertence ao Reino de Deus, mesmo caminhando neste mundo. É uma verdade existencial, uma realidade espiritual e uma esperança escatológica. 

Assim, a cada manhã, o cristão pode acordar lembrando: “O velho já passou. Hoje caminho em novidade de vida”.

Referências:

AGOSTINHO. Confissões. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2017.

BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal; Vitória: Editora Unida, 2016.

LUTERO, Martinho. Os escritos principais de Martinho Lutero. Porto Alegre: Concórdia, 2000.

STOTT, John. A Mensagem de 2 Coríntios: do sofrimento à glória. São Paulo: ABU Editora, 2012.


✍️ Sobre o autor

Sérgio Ribeiro dos Santos é missionário, comunicador cristão e escritor pastoral.
Apaixonado pela Palavra e pela transformação que o evangelho traz à mente e ao coração, dedica-se a ajudar pessoas a viverem uma fé real, prática e profundamente enraizada em Cristo.


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Christós kyrios

domingo, 12 de outubro de 2025

Ecos da fé - Episódio 9: Renovação da mente (Parte 2)

 Ecos da fé-Renovação da mente (Parte 2)

O novo homem: renovados na mente e transformados pela Verdade


 

Está escrito:

para serem renovados no modo de pensar e se vestirem do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e santidade provenientes da verdade” Efésios 4:23-24 (NVI)

 

O apóstolo Paulo, em sua carta aos Efésios, nos oferece uma das imagens mais belas e profundas de transformação. Em Efésios 4:23-24, ele não apenas aconselha, mas convoca os crentes a uma mudança radical: sermos renovados no modo de pensar. Esse chamado não é superficial; é um convite para uma verdadeira metamorfose, que toca o coração e redefine quem somos. O evangelho não é só um conjunto de ideias que abraçamos, mas um chamado a viver de forma totalmente nova – uma vida moldada pela verdade de Deus.

A renovação da mente é o ponto de partida. Afinal, é na mente que se forma nossos pensamentos, valores, decisões e atitudes. Por isso, o evangelho não se contenta em reformar o exterior; ele vai ao centro do nosso ser. John Stott resume bem: “a santidade cristã não começa pelo comportamento, mas pelo pensamento. É uma transformação de dentro para fora”. E essa mente, antes corrompida pelo pecado, precisa ser lavada e reconfigurada pela Palavra de Deus.

Mas repare: essa renovação não é passiva. Não acontece sozinha. Ela exige disciplina diária, uma escolha consciente de trazer nossos pensamentos para luz da Palavra. A Bíblia funciona como um espelho, mostrando quem realmente somos, e como uma bússola, apontando para aquilo que Deus quer que sejamos. Não é à toa que Paulo repete essa ideia em Romanos 12:2, quando fala sobre não se conformar ao mundo, mas ser transformado pela renovação da nossa mente. Em 2 Coríntios 3:18, ele reforça que essa transformação é progressiva, de glória, enquanto o Espírito Santo nos conforma à imagem de Cristo.

E qual é o resultado dessa renovação? Paulo descreve como o ato de “se vestir do novo homem”. Essa metáfora da roupa é riquíssima. No mundo antigo, trocar de vestes muitas vezes representava uma mudança de identidade ou status. No contexto de Efésios, o “o velho homem” aponta para nossa natureza corrompida, marcada pelo pecado. Já o “novo homem” é nossa nova identidade em Cristo, recriada para refletir a justiça e a santidade provenientes da verdade”. 

A justiça aqui, não é só ausência de pecado, mas um viver alinhado ao caráter de Deus. E a santidade é mais que uma ideia abstrata: é separação do mal e entrega total ao Senhor. O teólogo Charles Spurgeon costumava dizer que a santidade é o reflexo de Cristo em nós – e isso resume bem. Viver de forma justa e santa não deve ser um peso, mas o transbordar natural de uma mente renovada e de um coração que deseja agradar a Deus. 

Tudo isso tem uma base sólida: a verdade. Não a “nossa verdade”, moldada por emoções passageiras ou por conveniências humanas, mas a verdade de Deus, revelada em Cristo e em Sua Palavra. Essa verdade liberta do engano do pecado e nos dá forças para viver de modo que espelhe o caráter divino. 

Agora, é claro que a vida não facilita. No meio da correria, das distrações e pressões do mundo, renovar a mente é um desafio constante. O “velho homem” insiste em nos puxar de volta, seduzindo com valores contrários ao Reino. Então surge a pergunta: Como, na prática, acontece essa transformação interior que dá origem à renovação da mente? A transformação interior que gera a renovação da mente não acontece pela força de vontade humana nem por técnicas de autoajuda, mas pela ação do Espírito Santo através da Palavra de Deus, que vai moldando nossa forma de pensar, sentir e agir. Assim, a resposta está em quatro aspectos:

1. O ponto de partida: a obra do Espírito Santo

A mudança começa quando alguém nasce de novo (João 3:5-6). Nesse momento, o Espírito Santo passa a habita no coração do crente, iluminando sua mente para compreender as coisas espirituais (1Coríntios 2:14-16). Aquela mente que antes era “hostil a Deus” (Romanos 8:7) passa a ser renovada para amar e obedecer.

2. O meio: a Palavra de Deus 

Não há renovação da mente sem exposição constante às Escrituras. Jesus orou: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (João 17:17). É pela Palavra que nossa fé é fortalecida (Romanos 10:17) e nossos pensamentos realinhados com a vontade do SENHOR.

3. O processo – despojar-se e revestir-se

Paulo explica em Efésios 4:22-24: precisamos deixar o “velho homem” (práticas, desejos e valores contrários a Deus) e nos revestir do “novo homem” em Cristo. Isso se traduz em escolhas práticas: falar a verdade em vez da mentira (Efésios 4:25), perdoar em vez de cultivar mágoa (Efésios 4:31-32), buscar pureza em vez da impureza (Efésios 5:3-4).

4. O alvo: refletir Cristo

O objetivo final é sermos conformados à imagem de Cristo (Romanos 8:29). Em 2 Coríntios 3:18, Paulo declara que estamos sendo transformados à Sua imagem com glória cada vez maior, e isso é obra do Espírito Santo. 

Portanto, a transformação interior não nasce de esforço humano ou de fórmulas mágicas, mas da obra regeneradora e santificadora do Espírito, alimentada pela Palavra, confirmada em escolhas diárias de obediência e orientada para o grande alvo: ser semelhante a Cristo.

Em resumo, Efésios 4:23-24 nos chama a um processo contínuo de renovação. Não é um evento pontual, mas uma caminhada diária: despir-se da velha natureza e se revestir de Cristo. Essa renovação é sustentada pela Palavra, guiada pelo Espírito e visível em atos concretos de justiça e santidade. No fim, não se trata apenas de pensar diferente, mas de viver como quem pertence a Deus. 

E aqui fica a pergunta que vale para todos nós: em qual parte desse processo de renovação da mente você sente que precisa de mais atenção na sua vida hoje?

 

Referências:

STOTT, John. A mensagem de Efésios. Série A Bíblia Fala Hoje. São Paulo: ABU Ed, 1993.

 

Lembre-se: Rendam graças ao SENHOR, pois Ele é bom; o seu amor dura para sempre.

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Christós kyrios

domingo, 5 de outubro de 2025

Renovando a mente para viver a vontade de Deus - Parte 2

 


Está escrito:

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” Romanos 12:2 (NVI).

 

O apóstolo Paulo, em Romanos 12:2, nos convida a uma transformação radical e desafiadora. Não é apenas um chamado a rejeitar os valores passageiros da cultura, mas a experimentar a vida nova que nasce da graça e da ação do Espírito Santo. O cristão não é chamado a fugir do mundo, mas a viver nele com uma mente renovada, capaz de discernir e praticar a vontade de Deus.

A transformação de que Paulo fala não é simples mudança de hábito. É algo muito mais profundo – uma mudança interior, tão radical quanto a metamorfose da lagarta em borboleta. O primeiro alerta é: “não se amoldem ao padrão deste mundo”. O verbo “amoldar” sugere a ideia de ser pressionado a assumir a forma de algo externo, como quem se deixa moldar por pressões culturais. A cultura, com seus valores muitas vezes distantes de Deus, tenta constantemente moldar nossa forma de pensar e agir. 

Esse “padrão do mundo” diz respeito à mentalidade, aos valores, sistemas, ideologias e filosofias que operam à parte de Deus. É a busca incansável por poder, riqueza, status, prazeres imediatos e reconhecimento social a qualquer custo. É uma cosmovisão que tenta moldar nossa identidade e propósito a partir de fontes externas, e não de dentro para fora, sem qualquer referência ao Criador.

O apóstolo João também adverte: “Não amem o mundo, nem o que nele há” (1João 2:15-16). Os desejos da carne, dos olhos e a soberba da vida não vêm do Pai. Martyn Lloyd-Jones refletindo sobre isso, afirma que a grande tentação da igreja é ajustar-se ao que é popular, e não ao que é verdadeiro. Ser cristão, portanto, é ter coragem de nadar contra a corrente, mesmo que isso pareça estranho ou impopular.

Já a palavra “transformar” vem do grego metamorphoō, mudança de dentro para fora, operada pelo Espírito Santo. É o que dá ao cristão uma nova forma de enxergar a vida, filtrada pelo Evangelho. O teólogo John Stott explica que a renovação da mente é essencial, porque nossas ações fluem do que pensamos. O perigo, segundo ele, não está em viver no mundo, mas em permitir que o mundo viva dentro de nós. Muitas vezes, a igreja se preocupou tanto em “vencer o mundo” que se esqueceu de resistir às suas sutis seduções. 

Perceba que não se trata de uma simples moralidade externa, mas de uma disposição mental que resulta em novas atitudes e escolhas. Paulo reforça essa ideia em Efésios 4:23-24: “A serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade”. A renovação da mente, portanto, não é opcional. É a essência da vida em Cristo e exige intencionalidade em alinhar nossos pensamentos para à verdade de Deus.

E qual a motivação? Paulo responde: “para que vocês experimentem a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Quando deixamos de nos conformar ao mundo e vivemos com a mente renovada, experimentamos a realidade da vontade de Deus. Não como quem tenta adivinhar um destino oculto, mas como quem desfruta de uma vida conduzida pelo Espírito.

O teólogo F. F. Bruce destaca que a vontade de Deus não é um fardo pesado ou uma série de exigências impossíveis, mas uma dádiva. Ele a descreve como “boa” (beneficente, que traz o bem), “agradável” (prazerosa, que gera satisfação) e “perfeita” (completa, que conduz ao propósito pleno). Longe de ser um plano rígido e inflexível, a vontade de Deus é o caminho para a realização plena, onde encontramos a verdadeira liberdade e alegria.

Talvez você se pergunte: Paulo escreveu isso para cristãos em Roma, então será que eles não haviam experimentado o novo nascimento que Jesus ensinou a Nicodemos? E será que isso acontece hoje com a igreja contemporânea?

Boa pergunta! Esse é um tema para outra mensagem, mas vamos sintetizar a resposta para esclarecer as questões. Paulo escreve a cristãos já regenerados, mas que precisavam de crescimento contínuo em santificação. A diferença é clara: o novo nascimento é a porta de entrada para a vida cristã, enquanto a renovação da mente é um processo diário de amadurecimento.

Na igreja contemporânea, acontece algo parecido: muitos professam fé, mas não demostram uma vida transformada. Isso pode ocorrer por dois motivos:

1. Porque nunca houve um novo nascimento genuíno, ou seja, a pessoa vive apenas uma fé cultural, sem conversão real.

2. Porque, mesmo tendo nascido de novo, resiste ao processo de santificação, vivendo estagnada e conformada com o mundo.

Por isso, a igreja precisa provar a realidade do Evangelho por meio de vidas transformadas. Isso exige discipulado, estudo bíblico, oração e coragem para viver de forma diferente da cultura. A grande questão que fica é: estamos apenas frequentando a igreja ou realmente deixando Cristo nos transformar diariamente?

Em suma, Romanos 12:2 nos lembra que o maior campo de batalha da fé está dentro de nós. A revolução verdadeira não acontece no mundo exterior, mas em nossa mente. É um convite a sair do “piloto automático” e permitir que o Espírito Santo nos molde à imagem de Cristo. Só assim experimentamos a vida plena que Deus planejou para nós.

Permita-me orar:

“SENHOR, renova a nossa mente e transforma o nosso coração.

Ajuda-nos a não nos conformar com este mundo, mas a viver segundo a Tua vontade, que é boa, agradável e perfeita.

Que cada escolha nossa reflita o amor de Cristo e a esperança que só o SENHOR pode dar.

Em nome de Jesus, amém!” 

Lembre-se: Rendam graças ao SENHOR, pois Ele é bom; o seu amor dura para sempre.

Sola Scriptura - Solus Christus - Sola gratia - Sola fide e Soli Deo glória

Christós kyrios

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Livro devocional - Ecos da fé: crônicas de uma vida cristã


 

O livro ECOS DA FÉ: Crônicas de uma vida cristã reúne crônicas cuidadosamente elaboradas. Nelas, a Bíblia se encontra com a vida real trazendo meditações profundas que inspiram e renovam a caminhada cristã.

 

 

O ECOS DA FÉ está disponível na versão E-Book. Não perca a oportunidade de ter em mãos uma leitura que vai edificar sua fé e aquecer seu coração. 


Adquira o combo com os dois volumes do ECOS DA FÉ acessando o site: https://pay.hotmart.com/P101383250J?off=pvxx1s1b  




Podcast Ecos da fé - Episódio 7: Procurando Deus

 Ecos da fé - Episódio 7: Procurando Deus

domingo, 28 de setembro de 2025

Renovando a mente para viver a vontade de Deus - Parte 1


Está escrito:

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que vocês experimentem a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2 - NVI).

 

Vivemos em um tempo em que valores, tendências e ideais mudam mais rápido do que conseguimos acompanhar. Nesse cenário, o apelo de Paulo em Romanos 12:2 ecoa com uma urgência que atravessa os séculos. Não é apenas um conselho espiritual; é um projeto de vida radical. Ele nos convida a uma contracultura divina – onde a transformação verdadeira não acontece de fora para dentro, mas de dentro para fora. 

O termo grego traduzido como “amoldem” traz a ideia de assumir a forma de algo, como quem se encaixa num molde. Exemplificando: é como o camaleão, que muda de cor para se misturar ao ambiente. O mundo, com seu consumismo, individualismo e sede por poder e prazer, exerce uma pressão constante e silenciosa para nos conformar aos seus padrões. É o famoso “Maria vai com as outras” – deixando que a mídia, as redes sociais e até conversas do dia a dia ditem quem somos e como pensamos.

No entanto, o evangelho aponta para outro caminho. Somos chamados a ser sal e luz, vivendo de forma que a nossa diferença revele Cristo. Como bem observou o teólogo John Stott no seu livro A mensagem de Romanos, a não-conformidade como o mundo é um pré-requisito para a verdadeira santidade e fruto de uma mente renovada.

E é aí que Paulo aponta o gatilho da mudança: “a renovação da mente”, ou seja, uma renovação completa, uma mudança de estado que leva a uma nova perspectiva. Para a Bíblia, mente não é só intelecto; é o centro da vontade, das emoções e da forma como interpretamos a realidade. Por isso, a batalha da vida cristã é, em grande parte, travada na mente.

Essa renovação é algo contínuo, como Paulo também ensina em Efésios 4:23: “a serem renovados no espírito do entendimento de vocês”. E em Filipenses 4:8, ele nos dá um roteiro prático: “Finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas”.  A mente renovada é aquela que se alimenta da Palavra, se enche das coisas de Deus e se afasta de tudo o que contamina. 

Não é mágica, é processo. É a nossa decisão de nos render a Deus unida à obra transformadora do Espírito Santo, que nos concede “a mente de Cristo” (cf. 1Coríntios 2:16). Isso muda não só a forma como pensamos, mas também o que passamos a desejar. Mas, qual é o resultado? Paulo nos responde: “experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.

O termo “experimentar” no grego significa provar, testar e aprovar para verificar sua qualidade. Em outras palavras, a mente transformada não apenas entende a vontade de Deus, mas vive essa vontade. A vontade de Deus, que muitas vezes parece um mistério ou uma lista de “nãos”, é aqui descrita como boa, agradável e perfeita. Ela é boa porque nos conduz ao melhor que podemos ser; agradável, porque produz paz e satisfação genuína; e perfeita, sem falhas, refletindo o caráter de Deus. 

Assim, quando nossa mente se alinha com a de Cristo, passamos a desejar o que Ele deseja e a amar o que Ele ama. O que antes era uma chatice, agora se torna um prazer. Talvez você pergunte: “E o que a vontade de Deus diz sobre os dilemas de hoje? 

A vontade boa, agradável e perfeita de Deus sempre foi e sempre será coerente com o caráter de Deus revelado nas Escrituras, e isso vale também para os dilemas de nossos dias. Mesmo que a Bíblia não mencione diretamente sobre IA, bioética, mudanças climáticas, economia digital ou redes sociais, ela oferece princípios eternos para discernir a vontade de Deus em qualquer tempo:

1. A vontade de Deus é boa – promove vida e preserva o que Ele criou. Por exemplo, diante de dilemas ambientais, cuidar da criação é parte da vontade de Deus (Gênesis 2:15; Salmo 24:1).

2. A vontade de Deus é agradável – gera paz, justiça e reconciliação. Em dilemas sociais e políticos, como desigualdade ou preconceito, a vontade de Deus busca a reconciliação e a justiça (Miqueias 6:8; 2 Coríntios 5:18). Em questões de imigração, inclusão social ou conflitos raciais, o filtro bíblico é: isso promove reconciliação e dignidade humana?

3. A vontade de Deus é perfeita – é completa, sem contradições e eternamente válida. Nos dilemas éticos da ciência e tecnologia (como edição genética ou IA), a vontade perfeita de Deus nos lembra que os fins não justificam os meios. A dignidade humana, criada à imagem de Deus (Gênesis 1:27), é inviolável – nenhum avanço deve custar a destruição dessa imagem.

Mas, se ainda restar dúvida, pergunte a si mesmo:

1. Isso glorifica a Deus?

2. Isso expressa amor e valor pelo próximo?

3. Isso está alinhado com a verdade das Escrituras?

Se a resposta for sim para todas, é um bom indicativo de que estamos no caminho certo.

No fim, em um mundo que nos empurra para a conformidade, o convite de Romanos 12:2 é simples e profundo: liberdade. Liberdade de não viver preso ao molde do mundo. Liberdade de seguir o padrão de Cristo. Quando nossa mente se submete a Deus, nossa vida se torna um reflexo vivo da Sua boa, agradável e perfeita vontade.

No próximo domingo daremos continuidade a esta mensagem.

Referências:

STOTT, John. A mensagem de Romanos: o plano de Deus para a salvação. São Paulo: ABU, 2000.

 

Lembre-se: Rendam graças ao SENHOR, pois Ele é bom; o seu amor dura para sempre.

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Christós kyrios

domingo, 21 de setembro de 2025

Podcast - Ecos da fé: Episódio 6 - O perdão como estilo de vida

 Podcast - Perdão como estilo de vida

Áudio da mensagem - Encontrando a Deus de todo coração

 

Encontrando a Deus de todo coração

Procurar de todo o coração

 


Está escrito em Jeremias 29:13-NVIVocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração”.

 

O livro do profeta Jeremias, especialmente o capítulo 29 e o versículo 13, apresenta uma promessa profunda e inspiradora. Esse pequeno texto, extraído do Antigo Testamento, carrega consigo uma mensagem que transcende as fronteiras temporais e ainda ressoa atualmente. A busca por Deus é um tema recorrente na teologia cristã, e a passagem em questão oferece uma perspectiva rica e significativa sobre a natureza dessa busca.


A primeira parte do versículo destaca a ação de procurar a Deus. Este ato implica em uma busca ativa, não apenas uma procura superficial ou casual. Buscar ativamente a Deus é um desafio para muita gente. Mas, vejamos algumas práticas e considerações gerais que podem ser aplicadas na busca ativa por Deus:


1. Oração. A oração é uma forma de comunicação direta com Deus. Cultivar uma vida de oração constante, em que se compartilham pensamentos, preocupações, gratidão e busca de orientação, pode fortalecer o relacionamento com Deus.


2. Estudo da Bíblia. Aprofundar no estudo das Escrituras pode proporcionar entendimento e insights sobre a natureza de Deus.


3. Serviço e caridade. Servir aos outros e praticar a caridade são expressões tangíveis do amor e cuidado divino. Essas ações não apenas beneficiam os outros, mas também ajudam a cultivar uma atitude de serviço que reflete a natureza de Deus. 


4. Comunidade religiosa. Participar de uma comunidade de fé pode fornecer suporte, ensinamento e encorajamento na jornada espiritual. Compartilhar experiências com outros buscadores de Deus pode ser inspirador e enriquecedor.


Teólogos ao longo da história concordam que o Deus revelado na Bíblia não é um Deus distante e indiferente, mas um Deus que deseja ser conhecido e buscado por Seu povo. Agostinho de Hipona, por exemplo, enfatizou a importância da busca incessante de Deus como uma jornada que leva à verdadeira realização e sentido da vida.


O segundo aspecto crucial da passagem é a condição de procurar a Deus de todo o coração. Essa expressão denota uma busca sincera, apaixonada e comprometida. A integralidade do coração implica uma entrega total a Deus, sem reservas ou idolatrias que possam competir com a busca divina. Comentando sobre essa condição, John Wesley, o fundador do metodismo, destacou a importância da sinceridade na busca espiritual, argumentando que Deus se revela de maneira mais profunda àqueles que O buscam de forma genuína e total.


A Bíblia está repleta de exemplos que ilustram a importância de buscar a Deus de todo o coração. Davi, o rei de Israel, é frequentemente descrito como um homem segundo o coração de Deus, não por sua perfeição, mas por sua busca sincera e profunda pelo Criador. Jesus Cristo, ao ensinar sobre a oração, destacou a necessidade de uma busca íntegra e fervorosa, prometendo que aqueles que buscam, encontram (Mateus 7:7-8). 


Mas, nos dias de hoje, o que interfere nessa busca ativa por Deus? De fato, para buscar a Deus de todo coração no presente século temos de enfrentar diversos desafios, muitos dos quais são reflexos das mudanças sociais, culturais e tecnológicas. Vejamos alguns dos principais obstáculos que desafiam a vida do cristão:  

  • Secularização e materialismo. Em muitas sociedades modernas, a secularização e o materialismo têm influenciado a percepção da religião. A ênfase em valores materialistas pode distrair as pessoas de uma busca espiritual mais profunda, focando mais nas conquistas terrenas do que na busca por significado espiritual.
  • Racionalismo e ceticismo. O avanço da ciência e da razão muitas vezes leva as pessoas a adotar uma abordagem mais cética em relação às crenças espirituais. O pensamento racionalista pode questionar a existência de Deus ou considerar a busca espiritual como irracional.
  • Diversidade religiosa e relativismo cultural. A diversidade de crenças religiosas e o relativismo cultural podem levar à ideia de que todas as religiões são igualmente válidas, o que pode resultar em uma falta de comprometimento profundo com uma tradição específica.
  • Desilusão religiosa. Experiências negativas com instituições religiosas, escândalos ou interpretações dogmáticas podem desencorajar as pessoas a continuar sua busca por Deus. A desilusão religiosa pode levar à rejeição da espiritualidade organizada.
  • Estilo de vida acelerado. O ritmo acelerado da vida moderna pode deixar pouco tempo para a reflexão e a busca espiritual. Compromissos profissionais, sociais e tecnológicos podem monopolizar o tempo, dificultando a priorização da busca por Deus.
  • Individualismo excessivo. A ênfase excessiva no individualismo pode levar as pessoas a se voltarem para dentro em busca de satisfação, em vez de procurar significado e propósito fora de si mesmas. Isso pode limitar a disposição para buscar uma conexão espiritual mais ampla.

Superar esses obstáculos exige esforço consciente e uma mudança de mentalidade. A promoção de um equilíbrio entre as dimensões material e espiritual é uma das formas de superar os desafios contemporâneos e buscar ativamente a Deus de todo o coração. 


A aplicação prática de tudo que acabamos de refletir pode envolver uma reavaliação da prioridade dada à busca espiritual na vida cotidiana. Isso pode incluir momentos regulares ou habituais de oração, estudo da Bíblia e uma entrega contínua de todo o coração ao Criador. Além disso, implica em abandonar ídolos modernos que competem pela atenção e devoção, redirecionando o foco para o Deus que promete ser encontrado por aqueles que O buscam sinceramente.


Conclui-se que, Jeremias 29:13 é um convite à busca ativa e apaixonada por Deus, uma busca que transcende os limites do tempo e permanece relevante na vida do crente hoje. Teólogos e a própria Bíblia atestam a promessa de que Deus se revela àqueles que O buscam de todo o coração, convidando-nos a uma jornada espiritual profunda e significativa. 

 

Lembre-se: Rendam graças ao SENHOR, pois Ele é bom; o seu amor dura para sempre.

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Christós kyrios