domingo, 1 de junho de 2025

Da escravidão a herança: a nova identidade do Cristão

 


Está escrito em Gálatas 4:7 (NVI):

Você já não é escravo, mas filho; e, por ser filho, Deus também o fez herdeiro

 

A carta aos Gálatas é uma defesa vigorosa do evangelho da graça contra qualquer forma de legalismo. A afirmação em Gálatas 4:7 contém verdades fundamentais sobre a identidade do cristão, sua relação com Deus e sua esperança eterna. Longe de ser uma mera transação legal, a passagem da escravidão para a filiação é uma transformação ontológica – um renascimento espiritual que nos insere na própria família de Deus, concedendo-nos uma herança inestimável. Convido você a refletirmos juntos sobre o que significa não ser mais escravo, mas filho e herdeiro, à luz das Escrituras, da teologia reformada e da vida prática.

Para compreender a profundidade de Gálatas 4:7, é essencial contextualizá-lo. Paulo escreve aos gálatas, que estavam sendo tentados a retornar à observância da Lei de Moisés como meio de justificação. Ele argumenta que, antes da vinda de Cristo, a humanidade estava sob a tutela da Lei, que funcionava como um guardião (aio), mantendo-nos em um estado de servidão espiritual, incapazes de alcançar a justiça por nossos próprios méritos. Essa “escravidão” não se referia apenas à submissão ao pecado, mas também à impotência em cumprir os requisitos divinos sem a intervenção da graça.

Contudo, com a chegada de Cristo, uma nova era foi inaugurada. Como Paulo enfatiza em Gálata 4:4-5, “Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos”. A obra redentora de Cristo na cruz e sua ressurreição tornaram possível a libertação do jugo da Lei e do pecado. O principal objetivo dessa redenção é a nossa adoção como filhos. Essa adoção não é uma formalidade religiosa, mas uma realidade vivida, marcada pela habitação do Espírito Santo em nós, que clama “Aba, Pai” (Gálatas 4:6; Romanos 8:15).

A filiação espiritual é um ato de graça soberana. João 1:12 declara: “Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome”. Não é por mérito humano, mas por adoção divina (Efésios 1:5). John Stott comenta: “A adoção é o ápice da redenção. Deus não apenas nos redime do pecado, mas nos recebe em sua família”.

Talvez você esteja pensando: “Todos os seres humanos não são filhos de Deus?”. Mas será mesmo? O que significa, de fato, ser filho de Deus? Ser filho implica em ter intimidade com o Pai. Apenas os nascidos de novo (João 3:3) que receberam no coração o Espírito do Filho – Jesus – (Gálatas 4:6), podem clamar: “Aba, Pai”, expressão aramaica que revela ternura e proximidade. A oração que Jesus nos ensinou começa com “Pai nosso...”, e isso nos desperta para a consciência de uma relação afetiva com Deus.

Além da intimidade, o filho é também herdeiro. Isso significa que o cristão, como coerdeiro com Cristo (Romanos 8:17), participa das promessas de Deus: a salvação, a presença do Espírito, a nova vida, e, por fim, a glória eterna. O teólogo J.I. Packer escreveu em Conhecimento de Deus: “A adoção é o maior privilégio do evangelho; maior até do que a justificação. Porque ela nos leva de volta à família de Deus”. 

Talvez você se pergunte: Mas será que sou, de fato, filho(a) de Deus? Que evidências práticas confirmam essa filiação? De acordo com as Escrituras, alguns sinais indicam claramente que que alguém é, de fato, filho de Deus:

1. Transformação de vida

A mudança interior é o primeiro sinal (2 Coríntios 5:17). Quem é filho de Deus abandona antigos hábitos de pecado e passa a viver segundo a santidade, produzindo o fruto do Espírito (Gálatas 5:22-23).

2. Obediência aos mandamentos de Deus

Jesus disse: “Se alguém me ama, obedecerá aos meus ensinamentos” (João 14:15). Filhos de Deus demonstram seu amor e pertencimento por meio da obediência aos mandamentos divinos.

3. Testemunho do Espírito Santo

O Espírito Santo habita no filho de Deus e confirma interiormente essa filiação (Romanos 8:16). Essa presença gera paz, convicção e segurança de que pertencemos ao Senhor. 

4. Relacionamento íntimo com Deus

Filhos de Deus cultivam comunhão com o Pai, oram com liberdade e falam com Deus como “Aba, Pai” (Gálatas 4:6-7), demonstrando intimidade e confiança.

5. Amor ao próximo

A verdadeira filiação se manifesta em amor genuíno pelas pessoas (1 João 3:10-14). Filhos de Deus refletem o caráter de Cristo em atitudes de bondade, perdão e serviço.

6. Perseverança na fé

Mesmo em meio as tribulações, os filhos de Deus permanecem firmes (Romanos 8:35-39), não voltando ao velho modo de vida, mas seguindo com fidelidade o caminho do Senhor.  

Se essas evidências não estiverem presentes em sua vida, é importante refletir seriamente: você pode ainda estar vivendo como escravo – preso à culpa, ao medo ou tentando agradar a Deus por meio de obras. A verdade de Gálatas 4:7 nos convida a viver com segurança na graça, liberdade do Espírito e confiança no amor do Pai. Na prática, isso significa:

  • Buscar a Deus como Pai, não como juiz distante;
  • Rejeitar a mentalidade de desempenho religioso, confiando na obra completa de Cristo;
  • Assumir a identidade de filho amado, vivendo com liberdade para servir, perdoar e alegrar-se;
  • Esperar com fé a herança eterna, não como um mérito, mas como direito recebido pela adoção.

Amado(a), essa verdade também transforma nossos relacionamentos: filhos de Deus devem refletir o caráter do Pai, promovendo justiça, amor e reconciliação em todos os ambientes – família, trabalho, igreja e sociedade.

A declaração de Paulo em Gálatas 4:7 não é apenas uma afirmação teológica, mas uma proclamação libertadora que redefine nossa identidade e nosso destino. De escravos a filhos, e, por sermos filhos, herdeiros da plenitude de Deus. Essa verdade deve permear cada aspecto da nossa vida, impulsionando-nos a viver com gratidão, segurança, propósito e uma esperança inabalável na herança que o aguarda em Cristo Jesus. 

Que o Espírito Santo nos lembre constantemente: não somos escravos, somos filhos e herdeiros!

Referências:

STOTT, John. A cruz de Cristo. São Paulo: Ultimato, 2014.

PACKER, J. I. Conhecer a Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

 

Lembre-se: Rendam graças ao SENHOR, pois Ele é bom; o seu amor dura para sempre.

Sola Scriptura - Solus Christus - Sola gratia - Sola fide e Soli Deo glória

Christós kyrios

Um comentário:

Anônimo disse...

Ser filho também tem responsabilidades